A não-arte de Lygia Clark

Lygia Clark foi uma mulher que contribuiu enormemente pra arte no Brasil e eu sou simplesmente apaixonada pelo trabalho dela! Nascida em Belo Horizonte em 1920, começou a estudar arte somente em 1947 – já com 3 filhos e aos 27 anos – no Instituto Burle Marx (já falei sobre Burle Marx aqui) no Rio de Janeiro e foi ele próprio que ministrou as primeiras aulas de pintura que Lygia teria. Aos 30 foi para Paris, onde estudou com grandes artistas e se dedicou ao estudo de escadas e aos desenhos de seus filhos e onde também realizou seus primeiros óleos e fez sua primeira exposição, em 1952. Um ano depois, em 1953, ela voltou para o Rio de Janeiro.

Lygia, ao voltar para o Brasil, integrou o Grupo Frente que foi um grupo artístico brasileiro formado pelo artista Ivan Serpa. Ela era umas das mulheres mais influentes do grupo que aceitava artistas de todos os gêneros sob uma condição: a de questionar a arte, ir contra o formato da velha a academia de arte e estar disposto a quebrar barreiras e caminhar com os próprios pés. O grupo durou menos de 3 anos de forma natural, já que a maioria dos integrantes obtiveram tanto sucesso que naturalmente seguiram suas próprias carreiras individuais. Lygia rejeitou o título de artista enquanto viva, preferia ser vista como “propositora”.

Lygia foi muito conhecida e reconhecida pela relação próxima de suas artes (ou proposições, como ela preferia chamar) e terapias psicológicas. No período em que lecionava na universidade de artes plásticas de St Charles em Paris, fazia sessões de relaxamento e exercícios de sensibilização. Em uma de suas aulas de arteterapia, uma aluna desmaiou e Clark defendeu que a razão era uma falta de preparo psicológico por parte da aluna. Lygia acreditava no poder da cura através de pedras, terra e outros elementos da natureza. Caetano Veloso foi  muito próximo de Lygia Clark e diz que ela inspirou muito suas composições na época, conversou muito sobre seus interesses na arte plástica e fez longas sessões de terapia com ela na década de 70. A música “if you hold a stone” foi feita para ela.

A proposição abaixo, Baba Antropofágica, de 1973, foi realizada em Paris pela primeira vez, mas reproduzida muitas vezes até hoje. Uma pessoa deita de barriga pra cima e as outras têm carreteis de linha em suas bocas, vão tirando lentamente o fio e envolvendo a pessoa deitada, Clark encontrava poesia nas vísceras, nos fluidos corporais, inclusive na baba.

Em 1961, ela ganhou o prêmio de melhor escultura na Bienal de São Paulo com uma das obras de sua série “bichos” que era composta de esculturas metálicas com formas geométricas que se articulavam por dobradiças e dependiam da participação do espectador. Essa série é considerada a obra prima de Clark, e pra ser entendida precisava de interação e de contato, assim como os bichos. Com um misto de construtivismo, geometria e organicidade, a série foi seu maior paralelo entre o orgânico e a arte. Lygia fazia arte pra que houvesse interação, pra que fosse tocada, pra que fizesse sentir.

A ideia de Lygia é que essas esculturas tivessem proporções monumentais e foi somente 50 anos depois da sua ideia, em 2013, que a Alison Jacques Gallery ajudou a realizar essa obra e a expôs na Art Basel.

Em 66, Lygia começou o projeto “Objetos Sensoriais” onde ela trabalhava com objetos banais do cotidiano pra explorar a relação entre o corpo e a arte. As obras/proposições do projeto propunham experiências solitárias que buscavam autoconhecimento. Na proposição abaixo, cada máscara tinha cores e materiais diferentes, no lugar do olhos, os buracos eram costurados com vários ingredientes naturais, como sementes e ervas aromáticas. Perto das orelhas, alguns objetos eram integrados para aumentar a sensorialidade das máscaras.

Lygia Clark contribuiu de uma forma imensurável pra arte no Brasil e no mundo, atingiu prestígio internacional e é sempre lembrada nas salas de aula, em conversas de profissionais do mundo da arte e até hoje suas proposições e experiências são reproduzidas. Sua fase sensorial foi alvo de muito fascínio e desperta curiosidade de muitos amantes da arte contemporânea de todas as idades. Sua importância foi reconhecida até pelo Google que no ano passado, no dia em que Lygia faria 95 anos, o doodle da página inicial era uma homenagem a ela e à série “bichos”.

Morreu aos 67 anos, em 1988, vítima de um ataque cardíaco em casa. Não sei traduzir em palavras minha admiração por ela que se recusou a ser só uma, que transitou por diversas manifestações artísticas e que deixou um legado enorme e lindo pro Brasil e pro mundo. Autora de livros, pintora, escultora e, acima de tudo, uma pensadora, uma questionadora…

Admiração eterna. <3

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